Ester Fridman
“Graphein pode não ser zen”

Matérika 13

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São Paulo, a maior cidade do Brasil, contava com o maior mural de grafites a céu aberto da América latina. Contava. Talentosos grafiteiros coloriram e embelezaram a cidade, que, como quase todas as metrópoles, tendem a ser demasiado feias. Mas, tudo o que se refere à espaço público sempre gera polêmicas, porque uma cidade é habitada por pessoas de todos os tipos. Embora pareçamos iguais, e muitos querem que sejamos iguais, a verdade é que somos uns diferentes dos outros. O que agrada a um, desagrada a outro. E não existe certo e errado. O que existe são gostos e necessidades diferentes. Assim como dentro de uma família cada um pensa de um jeito, dentro de aglomerados maiores, seja um condomínio residencial, um bairro, uma cidade, um país, não é diferente – cada um pensa de um jeito. Assim, o novo prefeito da cidade de São Paulo resolveu tirar a maior parte dos grafites deste que era o maior mural de grafites a céu aberto da América latina. Sem consultar os artistas que criaram as obras e sem consultar a população que reside na cidade, ele passou tinta no mural. E, estranhamente, um dos grafites que ele preservou traz o seguinte título: “São Paulo, capital da arte de rua”.



Obviamente isso causou as mais diversas reações. Cada pessoa tem o seu ponto de vista e opinião sobre o ocorrido. Alguns abominam o ato, outros admiram, outros, ainda, são neutros, ou pensam que há assuntos de maior importância para ser tratados, como saúde, segurança, transporte e educação. A prefeitura diz que retirou somente as pinturas que estavam danificadas, seja pela poluição dos carros, por desgaste natural ou pichação por cima. Eu pensava que uma obra de arte danificada deveria passar por uma  restauração, e não ser destruída. Mas aí é que entra a questão: será que todas as pessoas pensam da mesma forma sobre o que seja uma obra de arte? Para se viver em conjunto não seria necessário antes chegar a um consenso sobre diversas questões, defini-las e encaminhar as definições à casa de cada um, para que se possa consultar caso se esqueça? E será que existe essa coisa estática de definição? Em um mundo onde tudo é movimento, poderia existir coisas fixas, ideias fixas, definições? Talvez sim, talvez não, mas o que poderia e deveria existir é bom senso. Como as pessoas são muito diferentes umas das outras, todo o ocorrido poderia ter sido evitado caso vivêssemos sob um regime democrático. Em um regime democrático todas as decisões são feitas por voto. Então, a decisão de trocar muros ociosos que tornam-se feios sob o efeito da poluição dos carros, por muros pintados por artistas, teria sido feita nas urnas. E quando entra um novo prefeito que não gosta muito dos grafites, ele não poderia retirá-los sem antes consultar a vontade da maioria. Não é errado não gostar dos grafites. Como não é errado gostar. Errado é dizer ao mundo que vivemos sob um regime democrático e não praticar a democracia. No momento em que um governante resolve mudar algo, em uma democracia seria necessário convocar todos às urnas. Mas, infelizmente, o governo atual não é diferente dos anteriores. Quem sabe um dia isso mude, quem sabe... Mas não estou aqui para falar sobre praticidades de um regime democrático. O que mais me chamou a atenção neste peculiar acontecimento da cidade foi o debate que gerou a respeito da arte. Sim, porque o debate sobre arte entre os amantes da arte é algo que sempre acontece, mas entre aqueles que não são, ou pelo menos não saibam que sejam, é algo mais raro de ocorrer. A atitude do prefeito levou os jornalistas às ruas, não somente para registrar as imagens da... depredação?..., como também para entrevistar os transeuntes. Entre estes, pessoas de todos os tipos que não tem o hábito de discutir arte. Mas, afinal, qual é o papel da arte na vida das pessoas que não a buscam de forma ativa, não deliberam espontaneamente o convívio com as obras criadas por artistas das mais diferentes vertentes e épocas? Tudo isso gerou muitas discussões. Mas como discutir sobre um tema como a arte se não há um consenso sobre o que seja arte? Até não muito tempo atrás, a arte tinha uma ligação direta com o belo. Hoje, vemos nas bienais de arte um monte de objetos utilitários ali colocados e chamamos isso de arte.


A meu ver a linguagem da arte age através de símbolos, e cada símbolo tem muitos significados. Por isso a arte é passível de uma multiplicidade de interpretações. Além disso, há quem fale em arte apenas no restrito sentido de valor monetário. Para estes que dão valor monetário à arte, uma arte de rua como o grafite nem sequer é considerada arte, assim como também grande parte da arte exposta nas atuais bienais.


Para o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer (1900 – 2002), a experiência da arte transforma o sujeito. Passar pela experiência de uma obra de arte é transformar-se e compreender-se através da obra. A verdade da arte é uma verdade que transforma. Faz com que o sujeito se conheça e se transforme.



Ora, graphein é a palavra grega da qual deriva a palavra grafite, e seu significado é sulcar. Somos seres que sulcam. Sulcamos a terra para dela tirar alimento para o corpo, e sulcamos pedras, cavernas, muros, paredes, vidros, papéis e telas, não para tirar-lhes algo, mas para por um significado.  A água sulca a pedra sem modificar-se a si mesma, mas o homem quando sulca se transforma, na medida em que tira de si algo para mostrar, para tornar visível ao outro. Seria o Darstellung dos alemães, que podemos traduzir como exposição, encenação, em suma, o que se expõe ao olhar.


Seres vivos sentem, e sentem o tempo todo, mas seres humanos transformam o que sentem em pensamentos para que possam transmiti-los aos outros seres humanos. Porém, a transmissão pela linguagem lógico conceitual – essa que usamos para nos comunicar – não é suficiente, uma vez que essa linguagem só transmite o que está na superfície. Ela não abrange nossos sentimentos mais profundos, mais viscerais, mais importantes do ponto de vista humano e existencial. Aí é que entra a importância da arte. Todas as formas de arte transmitem o que está em nossas profundezas. Muitas pessoas passam a vida inteira sem desenvolver uma linguagem artística para expressar aquilo que sentem, mas quando entram em contato com uma obra de arte percebem que aquela linguagem lhe transmite algo importante, algo que não se refere apenas às suas necessidades básicas de comer, se abrigar e procriar no sentido biológico. Todo ser humano precisa alimentar seu interior, que, apesar de não ser visível, é o que dá suporte à sua existência.


Neste sentido, uma atitude como esta que o prefeito de São Paulo tomou, de retirar da cidade uma imensa obra de arte, cuja visibilidade alcançava a todos, levou as pessoas a pensar sobre arte. E esta parada para o pensamento pode ter transformado muitas pessoas. A arte, como tudo, é uma experiência que precisa ser cultivada. É o convívio com ela e o falar sobre ela que nos torna seus apreciadores. E, justamente essa inesperada e injustificada atitude de um prefeito de retirar uma obra de arte do cenário quotidiano de seus residentes, fez com que a discussão sobre arte se transferisse de bocas. Pois aqueles que tiveram contato com a referida obra de arte antes desta ser  mutilada, eram pessoas de todas as idades, crenças, graus de escolaridade, interesses, gostos, pessoas que passavam pela avenida que corta São Paulo de Norte a Sul, onde encontrava-se o grande mural, e não tinha como não interagir com ele.


O artista, ao criar uma obra de arte, extrai da “realidade” o essencial, e aquilo que a obra revela pede a participação do espectador para ser apreciada, não apenas como a verdade deste que a criou, mas como a verdade daquele que a contempla. Contemplar uma obra é uma experiência que traz seu significado para o interior daquele que contempla. De alguma maneira ela passa a fazer parte de nosso interior. Por isso, quando uma obra, com a qual tenhamos tido um dia uma interação, é destruída, uma parte de nós entra em luto para que se possa elaborar a perda e seguir adiante enriquecido, tanto pela experiência do convívio como da perda.



Ester Fridman (Brasil, 1963)

Filósofa e escritora, pesquisadora da linguagem simbólica, seu tema de mestrado foi A Linguagem Simbólica no Zaratustra de Nietzsche. Estudiosa também das filosofias da Índia, escreveu Kriya-Yoga e a Filosofia dos Kleshas no Yoga Sutra de Patanjali.

Contato: ester8fri@gmail.com 

 



Muestra gráfica

“Poetas & Graffitis”




 



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